A bisavó Ana deixou de poder acompanhar a neta Delmira a levar os caixões à Aleia de mato e passou a ter a partir dos 15 anos, o irmão Afonso, ( hoje aposentado da Marinha de Guerra com a patente de Capitão de fragata, o equivalente a Tenente Coronel no exército) como acompanhante, este dois anos mais novo.
Foi o bisavô Francisco Baptista quem lhe preparou um carrinho de cana com eixo de duas rodas, de uma das canas mais fortes que colheu na Horta da Fonte, para assim encurtar caminho, do Souto até à Aldeia de Mato.
O primeiro "poiso" era ali às casas Velhas, antes do Pico da Carreira do Mato. Uma família e sete ou oito filhos ainda pequenos eram os primeiros a virem ao encontro daquele misterioso caixão poisado numa parede à beira da estrada, no tabuleiro fundeiro do quintal da família do Tremoçal, seis ou sete raparigas e um rapaz com uma carrinho de cana, que viria a ser conhecido mais tarde, como o José Antunes com a serração em Alferrarede.
Os rapazes disputavam logo ali um desafio mais que expectável: uma corrida com os carrinhos, que só terminava onde é hoje a porta da Capela.
As raparigas formavam uma roda à volta do caixão poisado, primeiro aproximando-se a medo para só depois perguntarem quem estava lá dentro...
Numa recriação feita no almoço anual da Família dos Borregas a que pertenciam os Tremoçal, e a minha mulher pelo lado paterno, há meia dúzia de anos foi-me dada a confirmação de como o José Antunes, enquanto miúdo era sempre portador de um carrinho de cana, ao qual devotava grande apreço.
Coube a um sobrinho seu ( o Tomás, marido da Tina, filha do Ernesto Maria e da Adelaide do Tremoçal) recriar a figura do miúdo com uns calções e um só botão no peitilho, a correr de uma lado para o outro atrás do carrinho de cana e do eixo de duas rodas...
Numa recriação feita no almoço anual da Família dos Borregas a que pertenciam os Tremoçal, e a minha mulher pelo lado paterno, há meia dúzia de anos foi-me dada a confirmação de como o José Antunes, enquanto miúdo era sempre portador de um carrinho de cana, ao qual devotava grande apreço.
Coube a um sobrinho seu ( o Tomás, marido da Tina, filha do Ernesto Maria e da Adelaide do Tremoçal) recriar a figura do miúdo com uns calções e um só botão no peitilho, a correr de uma lado para o outro atrás do carrinho de cana e do eixo de duas rodas...
Sossegavam quando se apercebiam que ainda estava vazio. E Eas próprias ajudavam a minha mãe a carregar o caixão ladeira do Pico da Carreira do Mato acima. No largo da capela novo poiso, até que descendo o Pico Souto só iam poisar muito peto da entrada da Aldeia, onde uma família de gente rica se sentavam no verão à sombra de umas árvores de sombra. Provavelmente, a família do Conselheiro de Salazar, Ferro Alves, que mais tarde manou construir uma casa no Carvalhal, perto da nova Igreja. Uma casa comprada mais tarde pelo meu primo, Silvino Traquina.
Eram vários homens sentados em cadeirões à sombra das árvores do quintal, todos com casaco vestido ou por vezes, apenas em mangas de camisa branca e gravata. As senhoras traziam um leque para se refrescarem.
Chegados à loja do Sr. Zeferino, genro do comerciante mais importante da terra, de seu nome Paulo Estanqueiro, nem sempre o mesmo estava por lá. Então lá seguiam até uma fazenda ou "quinta" mais a caminho do rio, onde depois de atravessarem um quintal com um cão enorme, sempre a ladrar atrás deles, o encontravam e lhe apresentavam a "factura".
Regressavam os três à loja, e era-lhes pago o caixão: exactamente 20$00 ( vinte escudos).
O meu avô já havia dado as instruções ao que fazer com o dinheiro: comprarem "um pão alvo" para comerem no regresso, já a manhã ia alta e quente.
Por sorte, a esposa do Sr. Zeferino ainda podia ter a mesa posta a mio da manhã e lá os chamava para a mesa, dando-lhes café com leite e uma tijela com manteiga, que a princípio nenhum dos irmãos sabia como usar a manteiga no pão.
A primeira vez, o Afonso, mais desenrascado, não esteve com meias medidas e vai de cortar a manteiga às fatias, como se de queijo fresco se tratasse. O conteúdo da manteigueira ficou totalmente vazio, o que fez alertar a dona da casa para o desconhecimento dos garotos, para comerem pão barrado com manteiga. Isto nos anos 1940 a 1945.
E se ainda houvesse algum toro deixado no Lagedo, tanto melhor. Era o pretexto para fazerem um desvio pelas hortas do Pondal, colher cerejas, nêsperas ou pepinos da Tia Maria José ("Tramazola") e passarem pelo Casal do Meio a ver da Tia Engrácia, que sempre lhes reservava um "petisco" - quando não era mesmo o almoço - e ainda, lhes enchia um "talego" ou os bolsos, com comida para o caminho até ao Souto.
Uma ou duas vezes por mês, era este o "trabalho" que os esperava. Vinte escudos apenas e dois serradores e um carpinteiro, mais dois miúdos, já tinham que fazer para um ou dois dias.
Chamo-lhe "Serviço Público". Porque a este preço, só mesmo como serviço público quase gratuito. E ninguém mais queria fazer de cangalheiro, quando só num breve período o "serviço" esteve a cargo de dois "empresários" do ramo, o meu avô e antes o Firme, com as suas filhas deficientes, sempre a repetirem o que por certo ouviam ao seu pai como desabafo:
- " isto é que vai uma crise, ninguém morre nesta terra!"
(continua)